Era uma vez um missionário jesuíta, chamado Georg Joseph Kamel, que partiu para as Filipinas em condição de botanicus et apothecarius. Na sua estadia, de 1688 a 1706 no arquipélago vulcânico, estudou a flora nativa e, integrado nessa pesquisa, como médico que era, fez diversos registos escritos sobre as propriedades medicinais das plantas que encontrava pelas florestas tropicais.
Kamel recolhia espécimes diversos, descrevia-os e, em 1698, começou a enviá-los através das frotas passantes, com o intuito que chegassem a Inglaterra onde pudessem ser catalogados. No entanto, segundo se consta, os enfrascados, e por vezes religiosamente encaixotados, avanços científicos do missionário eram categoricamente negligenciados pelos maçarucos marinheiros, o que impediu, na maioria das tentativas, que o "correio" chegasse ao destino.
Trabalhador afincado, conhecedor da sua área e detentor de uma determinação peremptória em fazer evoluir um mundo que ainda sacudia reminiscências de atraso medieval, Kamel decidiu, e deveras inteligentemente, permitam-me que assim o escreva, concentrar todos os dados botânicos que ele próprio produziu e foi, assim, escrevendo e publicando obras científicas. Talvez daquela forma, pois, provavelmente, para os marinheiros os livros eram mais levados em consideração do que as evidências "vivas" que os tornaram possíveis, o seu trabalho fosse mais facilmente disseminado por académicos e cientistas de outros tipos,especialmente europeus, para que, consequentemente, houvesse uma ligação cultural que permitisse a discussão dos conteúdos das suas obras.
Georg Joseph Kamel nasceu a 21 de Abril de 1661 na República Checa e morreu a 2 de Maio de 1706, precisamente onde expandiu os seus conhecimentos como médico, farmacologista e botânico e onde elaborou dedicadamente as suas mais conhecidas obras. Foi um naturalista com o devido reconhecimento no seio escolástico e não só, mas a sua morte apenas conseguiu apoderar-se da sua existência física, o fosso do esquecimento, para onde muitos injustamente caem, não teve lugar para ele.
Kamel está, graças a Linnaeus, ou simplesmente Lineu - o fundador da História Natural moderna -, nos bosques e florestas tropicais e subtropicais asiáticos, nos mais zen paraísos japoneses, nos jardins ocidentais e, até, nos chás que bebemos.
Permitam-me, caros leitores, que objective esta estância:
Ao latinizar o nome Kamel, Linnaeus fez surgir o termo Camel, que nada a ver tem com a marca de cigarros nem com os verdadeiros camelos, mas com as camélias!
Ora, exactamente pelo facto de Kamel ter sido um dedicado contribuidor para a botânica moderna, Linnaeus, muito amavelmente e num gesto de elevada consideração, decidiu baptizar um género particular de arbustos arbóreos como Camellia. Hoje conhecemos-las até como japoneiras, ou cameleiras, talvez até camélias, em referência ao género taxonómico a que pertencem. O que muitos poderão não conhecer, é o facto de a planta do chá ser, ela própria, uma camélia também, tal como evidencia a sua nomenclatura científica actual: Camellia sinensis, a "camélia chinesa".
- Muito grato pelo seu gesto, Sr Linnaeus! Tal regalia deixa-me sem jeito.
- Ora essa, Sr Kamel, foi mais que merecido!
É, de facto, tentador fantasiar um diálogo entre estes dois grandes naturalistas, não fosse o facto de Linnaeus ter nascido um ano após a morte de Kamel.
E é também tentador tentar imaginar o motivo exacto que levou o taxonomista a homenagear, com o nome de Kamel, um grupo de plantas que, à partida, não foram estudadas pelo último.
Talvez seja mesmo um caso genuíno de homologação que, em segunda análise, nos leva a declarar que o reconhecimento pode surgir dos sítios mais improváveis e nas formas mais curiosas.
Imagem retirada do site www.findagrave.com
Então, mas, afinal, como e onde surgiu exactamente a planta do chá, essa tal de Camellia sinensis? Por enquanto, fiquemos-nos pelas "pálpebras de Buddha", porque este chá já fez o seu efeito e eu tenho de me retirar para os meus aposentos...
(2/10/2016 - 00h56min.)
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