9 de outubro de 2016

Contos de Prach'a - De Kamel a Camellia

Hoje li, num blogue que acabou de nascer e que, aliás, deu o seu primeiro "voo", que todas as histórias começam com era uma vez (Teresa Rebelo, in Piudolce). Pois bem, a minha história, que na verdade não é minha e que em nada se assemelha à da "menina dos bolos e dos sonhos" (ou, pensando melhor, esta distância, que para mim é metafísica, pode até nem ser assim tão remota, pelo menos numa óptica mais figadal), também assim começará.

Era uma vez um missionário jesuíta, chamado Georg Joseph Kamel, que partiu para as Filipinas em condição de botanicus et apothecarius. Na sua estadia, de 1688 a 1706 no arquipélago vulcânico, estudou a flora nativa e, integrado nessa pesquisa, como médico que era, fez diversos registos escritos sobre as propriedades medicinais das plantas que encontrava pelas florestas tropicais.
Kamel recolhia espécimes diversos, descrevia-os e, em 1698, começou a enviá-los através das frotas passantes, com o intuito que chegassem a Inglaterra onde pudessem ser catalogados. No entanto, segundo se consta, os enfrascados, e por vezes religiosamente encaixotados, avanços científicos do missionário eram categoricamente negligenciados pelos maçarucos marinheiros, o que impediu, na maioria das tentativas, que o "correio" chegasse ao destino.
Trabalhador afincado, conhecedor da sua área e detentor de uma determinação peremptória em fazer evoluir um mundo que ainda sacudia reminiscências de atraso medieval, Kamel decidiu, e deveras inteligentemente, permitam-me que assim o escreva, concentrar todos os dados botânicos que ele próprio produziu e foi, assim, escrevendo e publicando obras científicas. Talvez daquela forma, pois, provavelmente, para os marinheiros os livros eram mais levados em consideração do que as evidências "vivas" que os tornaram possíveis, o seu trabalho fosse mais facilmente disseminado por académicos e cientistas de outros tipos,especialmente europeus, para que, consequentemente, houvesse uma ligação cultural que permitisse a discussão dos conteúdos das suas obras.

Georg Joseph Kamel nasceu a 21 de Abril de 1661 na República Checa e morreu a 2 de Maio de 1706, precisamente onde expandiu os seus conhecimentos como médico, farmacologista e botânico e onde elaborou dedicadamente as suas mais conhecidas obras. Foi um naturalista com o devido reconhecimento no seio escolástico e não só, mas a sua morte apenas conseguiu apoderar-se da sua existência física, o fosso do esquecimento, para onde muitos injustamente caem, não teve lugar para ele.
 Kamel está, graças a Linnaeus, ou simplesmente Lineu - o fundador da História Natural moderna -, nos bosques e florestas tropicais e subtropicais asiáticos, nos mais zen paraísos japoneses, nos jardins ocidentais e, até, nos chás que bebemos.
Permitam-me, caros leitores, que objective esta estância:

Ao latinizar o nome Kamel, Linnaeus fez surgir o termo Camel, que nada a ver tem com a marca de cigarros nem com os verdadeiros camelos, mas com as camélias!
Ora, exactamente pelo facto de Kamel ter sido um dedicado contribuidor para a botânica moderna, Linnaeus, muito amavelmente e num gesto de elevada consideração, decidiu baptizar um género particular de arbustos arbóreos como Camellia. Hoje conhecemos-las até como japoneiras, ou cameleiras, talvez até camélias, em referência ao género taxonómico a que pertencem. O que muitos poderão não conhecer, é o facto de a planta do chá ser, ela própria, uma camélia também, tal como evidencia a sua nomenclatura científica actual: Camellia sinensis, a "camélia chinesa".

- Muito grato pelo seu gesto, Sr Linnaeus! Tal regalia deixa-me sem jeito.
- Ora essa, Sr Kamel, foi mais que merecido!

É, de facto, tentador fantasiar um diálogo entre estes dois grandes naturalistas, não fosse o facto de Linnaeus ter nascido um ano após a morte de Kamel.
E é também tentador tentar imaginar o motivo exacto que levou o taxonomista a homenagear, com o nome de Kamel, um grupo de plantas que, à partida, não foram estudadas pelo último.
Talvez seja mesmo um caso genuíno de homologação que, em segunda análise, nos leva a declarar que o reconhecimento pode surgir dos sítios mais improváveis e nas formas mais curiosas.    

Imagem retirada do site www.findagrave.com              


Então, mas, afinal, como e onde surgiu exactamente a planta do chá, essa tal de Camellia sinensis? Por enquanto, fiquemos-nos pelas "pálpebras de Buddha", porque este chá já fez o seu efeito e eu tenho de me retirar para os meus aposentos...
(2/10/2016 - 00h56min.)

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