5 de outubro de 2016

Carta ao Doce Imaginário

Querida tia Piu,

Constou-se-me que, quando era criança, criancinha mesmo, transformava, no meu muito íntimo "País das Maravilhas", a sopa de legumes em caldo de plantas pré-históricas que só os mais fortes e corpulentos dinossáurios podiam comer - esta era a forma de eu terminar a refeição. A cada colherada rugia, gatinhava e imitava um grande saurópode, ou, em pé, um T-rex, apesar de carnívoro. Para além disso, com uma avó cozinheira e outra que me deixava "voar" como um pterodáctilo pelos seus imensos jardins, o meu gosto pela culinária nunca se desligou do mundo imaginário: a terra pode não ser terra, pode ser crumble de chocolate de onde surgem árvores mágicas; a mamã pode não ser uma humana a tempo inteiro, pode ser uma ouriço-cacheiro ou uma ratinha nos tempos de cozinha; os candeeiros de rua podem reluzir em rebuçados de lima e limão, não têm de ter lâmpadas de vidro, e um bule, gordo e redondo, pode ter um universo dentro de si, mas também pode exultar-se num geiser de borboletas, cujas asas oceladas nunca param de olhar para nós.
Obrigado, querida tia Piu(dolce), pela oportunidade que me deste em poder fugir, por uns momentos, das masmorras de preconceitos onde a vida adulta nos exige a permanecer durante mais tempo do que o suposto. Para mim, foi uma verdadeira honra teres confiado em mim para te ilustrar o teu blogue, o qual, outorguem, tem um propósito fantástico! 


Um forte abraço, doce como os doces que fazes e grande como o teu coração,
Pedro Suárez

Ilustração por Pedro Pinho e Suárez, para o blogue Piudolce, de Teresa Rebelo. 

2 comentários:

  1. Meu querido sobrinho! Fiquei sem palavras... Deixo-te com a inocência pura de um poema de Alberto Caeiro, porque também tu tens a alma pura:

    O meu olhar é nítido como um girassol.
    Tenho o costume de andar pelas estradas
    Olhando para a direita e para a esquerda,
    E de vez em quando olhando para trás...
    E o que vejo a cada momento
    É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
    E eu sei dar por isso muito bem...
    Sei ter o pasmo essencial
    Que tem uma criança se, ao nascer,
    Reparasse que nascera deveras...
    Sinto-me nascido a cada momento
    Para a eterna novidade do Mundo...

    Creio no Mundo como num malmequer,
    Porque o vejo. Mas não penso nele
    Porque pensar é não compreender...
    O Mundo não se fez para pensarmos nele
    (Pensar é estar doente dos olhos)
    Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

    Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
    Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
    Mas porque a amo, e amo-a por isso,
    Porque quem ama nunca sabe o que ama
    Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

    Amar é a eterna inocência,
    E a única inocência é não pensar...


    © ALBERTO CAEIRO

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  2. Muito obrigado, tia Piu, Mãe, Amiga, Irmã...
    Adoro-te!
    Sexta-feira vamos a um chá? Pode ser que haja pétalas de malmequer lá misturadas!

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