31 de maio de 2015

O Jardim Privado de António de Almeida Costa

Há três dias atrás, mesmo antes de culminar em mim a mais desagradável virose que me privou de comparecer à feira de gemas, fósseis e minerais no Museu de História Natural do Porto, tive a enorme regalia de visitar, na companhia da minha querida avó materna, um jardim privado do século XIX, em Rio Tinto, Gondomar, considerado único a nível nacional devido às suas características artísticas.

António de Almeida Costa, abastado extravagante, construiu, para si e para a sua família, uma grande casa, com um elegante hall de entrada suportado em belíssimos e luzidios mármores carmesim onde, quem entra, no lado direito, se encontra uma ampla sala, agora vazia, e à esquerda uma salinha timidamente preenchida, apenas num canto, por um louceiro da época e iluminada por uma grande janela, a qual permitiu-nos vislumbrar o jardim.

Os entendidos que nos guiavam, explicavam-nos tudo de forma deveras interessante, desde a simbologia dos elementos água, fogo, terra e vento, passando pelos "guardiões" do jardim, estatuetas de animais, normalmente leões, que, aos pares, adornam as portas e os portões de cada divisão do terreno, até às misteriosas inclusões de conchas na decoração das paredes da cocheira e do jardim, onde a mesma se encontrava. A deterioração de inúmeros elementos da época foi-nos evidente, tanto pela acção do tempo como pelas mãos vândalas de quem, por nenhum motivo razoável, atira pedras e destrói o património histórico daquela zona. Um exemplo é o conspícuo pagode em porcelana, do qual apenas resta, de quatro andares, um, como os meus caros leitores poderão ver nas fotografias.

Não obstante de tudo o que aprendemos em termos de história da arte, e da própria história, admito que examinei o jardim privado numa perspectiva talvez mais ecológica.
Reparei nas impressionantes dimensões arbóreas dos rododendros e das cameleiras, na exigência pela vegetação exótica de António de Almeida Costa, pois a presença de palmeiras, nespereiras, caneleiras, iúcas e cilindas assim o denunciaram, e provei, literalmente, que, com a idade, algumas árvores não perdem qualidades. Isto porque trinquei uma nêspera de uma nespereira que já lá está, naquele jardim, desde o início, há quase duzentos anos, e ela estava absolutamente dulcíssima.

Mas agora penso e pergunto-me: terá sido o raio da nêspera da velha árvore a transmitir-me a virose? Atchim!

 Visão geral do jardim superior, o principal, onde se encontram a cocheira e muita da flora exótica. Outorguem o leão no cimo da cocheira, "guardando" o jardim, antecedido por dois gigantescos jarros em granito, cada um com um ananás esculpido no topo, simbolizando o exotismo que, na época, tanto era apreciado.  

Os elementos água (canto inferior direito), fogo (c.i.esq.), terra (canto superior direito) e vento(c.s.esq.), delimitados por conchas, enquadrados na parede exterior da cocheira.

Lá atrás, o que resta do pagode, onde à frente, como testemunho, está, entre outras, uma fotografia evidente de como ele era em bom estado de preservação.

A "caneleira", não a original que nos fornece a canela, mas uma versão ornamental cujas belas flores emanam um odor afim ao dessa mesma especiaria.

No patamar mais abaixo do jardim, encontram-se as leviatãs cameleiras e os colossais rododendros, cujas proporções já são tais que não deixam chegar luz solar suficiente ao solo para o crescimento de outras plantas, como os amores-perfeitos que antes coloriam aquele espaço.

As invulgares cilindas, parentes próximas das hortênsias, de nome científico Philadelphus coronarius, exalam um cativante perfume adocicado, uma mistura de mel e citrinos, mais uma evidência da sofisticação do século XIX.

6 comentários:

  1. A tal da "Inês Pereira" já não transmite viroses a ninguém!... ;)

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    1. Que bom encontrar-te aqui!
      A caneleira, assim denominada pelos actuais proprietários do terreno, é a que está representada na quarta fotografia. A cameleira, também conhecida como japoneira, é totalmente diferente, sendo a primeira assim designada pelo seu aroma a canela, e por isso caneleira, e a última por cameleira, pois pertence ao género Camellia, nome dado em homenagem a Padre Camelli.
      Qualquer outra dúvida, não hesitem em exprimir-se e... Muito grato pelo momento de riso que me proporcionaste com a tua "Inês Pereira"! Beijos

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  3. O Pedro surpreende-me sempre cada vez mais! Pela forma como vê as coisas e com os pormenores com que as descreve de uma forma tão científica e carinhosa! Esta postagem é mais uma das suas maravilhas! Lamento muito não ter podido ir à tal feira de tantas coisas, mas se tivesse ido, não teríamos aqui estas coisas lindas que de outro modo não conseguiríamos ver!
    Obrigada Pedro! Um beijinho grande extensivo à sua avó que certamente de algum modo para o compensar o terá conduzido até aí...
    Uma óptima semana! Bjs

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    1. Muito obrigado pelas suas tão bondosas palavras, querida Hermínia!
      Volte sempre que puder, sim?

      Um forte abraço e uma óptima semana para si também.

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  4. O karma é uma coisa lixada, não é? Não comesses a nêspera que já não sofrias (as piadas que eu poderia fazer - e fiz! - acerca dessa tua virose) e já podias ter ido à feira de minerais!

    Esse jardim é lindo, lindo, lindo...

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