5 de março de 2019

Os Ecossistemas Naturais

A convite do Agrupamento de Escolas João da Silva Correia (São João da Madeira), na pessoa da professora de Ciências Naturais, Ângela Ferreira, proferi uma série de palestras aos alunos das turmas do 8º ano - Os Ecossistemas Naturais 28/2/2019 -, que recordaram e aprenderam o que são ecossistemas, funcionais e íntegros, passando por conceitos relevantes como a ecologia e outras disciplinas científicas que contribuem para o seu estudo, até aos ecossistemas descaracterizados, invadidos por espécies exóticas e desequilibrados pela contranatural acção humana. 
Ao fazer-se uma incursão por todos os continentes, os jovens pupilos tiveram a oportunidade de conhecer o funcionamento de ecossistemas terrestres, como a savana africana, e de ecossistemas marinhos, como os recifes de coral nos mares do Oceano Pacífico, e reforçar o conhecimento sobre os ecossistemas portugueses: a floresta mista, a mata mediterrânica e a laurissilva.

No final do dia, ofereci 200 bolotas de diferentes espécies de carvalhos (Quercus robur, Q. suber e Q. ilex) à Escola, na expectativa de que professores e alunos desenvolvam actividades de semeio e de acompanhamento do desenvolvimento das plântulas, para depois identificá-las, estudando-as, e passarem o conhecimento às turmas vindouras.

Como nota final deste meu "arquivo curricular", gostaria de agradecer à professora Clara Tavares, docente de Biologia e Geologia no ensino secundário, e aos Professores Jorge Paiva e Ulisses Azeiteiro, biólogos académicos e investigadores, pelo tempo que me dispensaram na validação científica dos conteúdos que apresentei. 
Obrigado!






            


Pedro Pinho e Suárez


20 de fevereiro de 2018

AUTOBIOGRAFIA Charles Darwin

Recordo-me perfeitamente, como se tivesse sido há pouco tempo, da primeira vez que li a autobiografia de Charles Robert Darwin, há uns oito anos. Nessa altura, tinha os meus quinze anos, a minha paixão pelas Ciências Naturais já estava convictamente cimentada no meu perfil enquanto jovem desconhecedor de tudo em geral, mas sempre com uma particular e inabalável curiosidade em relação àquilo que sei agora tratar-se dos mecanismos físicos, químicos e biológicos do planeta Terra. Dessa forma, e porque já tinha lido vários livros de carácter juvenil sobre Darwin, a saber, muito impessoais e pouco detalhados, não hesitei em "devorar" a sua autobiografia quando a minha mãe ma entregou nas mãos. A leitura da obra foi, efectivamente, bastante rápida, especialmente para a idade que tinha, e, por isso, muitos conceitos não foram devidamente compreendidos e outros, até, completamente desprezados pelo simples facto de não os ter entendido naquela primeira análise.

Passado oito anos, no seguimento de umas arrumações, desencantei o livro e, há três dias, comecei a relê-lo, muito tranquila e vagarosamente, mastigando cada palavra como se fosse a primeira vez que estivesse a ler o que quer que fosse. Hoje terminei a sua análise, com aquele típico sentimento lamurioso de quem não queria que a obra tivesse acabado, e, de entre muitas outras coisas, concluí que, de facto, há livros que devem ser relidos, especialmente quando se dá uma notável transformação em nós, no espaço de tempo entre leituras. Desta vez, vi em Darwin uma agradável companhia, com a qual me identifiquei, puramente pelo facto de ter sido um homem simples e sensível e ter transparecido isso naquilo que escreveu, porque, na grande maioria das situações, as grandes mentes que contribuíram para o progresso da Humanidade apresentam-se como figuras distantes, transcendentes ao comum cidadão e, consequentemente, erradamente afastadas da nossa realidade. Com Darwin isso não aconteceu. O pai da Biologia Evolutiva, "o padre que matou Deus" - como lhe chamei num texto que escrevi, há uns anos, para o periódico "A Voz de Cambra" -, o responsável por fazer com que a nossa existência enquanto espécie fizesse sentido, escreveu um belo testemunho, com palavras honestas, justas e bondosas, desde a sua primeira recordação, enquanto criança, passando pelas aventuras da sua juventude, até aos seus últimos dias, atormentado por uma terrível indisposição à qual insistia chamar "a doença".
Agora sim, embora ainda com o meu parco conhecimento em relação ao que quer que seja, sinto-me pronto para a sua obra magistral, aquela que mudou o mundo. Começo hoje.


*Este texto foi escrito com o único intuito de encorajar potenciais interessados a explorar a obra "AUTOBIOGRAFIA Charles Darwin", pois acredito que acrescenta muito, em todos os aspectos, nos seus leitores, tal como acrescentou em mim.





Pedro Pinho e Suárez

29 de janeiro de 2018

Broínhas Matrafonas

EU CHAMO-LHES BROÍNHAS MATRAFONAS!
Há umas semanas, poucas se a memória não me falha, vi uma receita de uns bolinhos, ao género de biscoitos, que a amiga Fátima publicou no Facebook. Por serem um doce típico português, transmontano, por sinal, que só nas palavras emanam um cheirinho a caseiro e a antigamente, decidi fazê-las e anotá-las no meu caderno de receitas, de forma a confeccioná-las regularmente e preservar uma tradição que é nossa, num tempo em que Portugal tem vindo a perder a sua identidade - mas, sobre isso, há muito pano para mangas!
Agora, sendo a terceira vez que faço as Broínhas Matrafonas (originalmente chamadas "matrafões" ou "biscoitos de azeite"), considerando, por isso, que já domino a receita o suficiente para me orgulhar disso, partilho com quem de interesse a receita e o registo fotográfico da tarde de labor pasteleiro.


- 9 ovos;
- 1 chávena almoçadeira de azeite (o equivalente a 250 ml);
- 500g de açúcar;
- 1 cálice de aguardente (da boa!);
- 1kg de farinha ("Branca de Neve" preferencialmente);
- 1 colher de chá com fermento químico;
- 1 colher de chá com bicarbonato de sódio. 


Eu fiz da seguinte forma:
Numa bacia espaçosa, juntar os ovos, o azeite, o açúcar e a aguardente, misturando-os com a batedeira até ficar uma massa leve e homogénea. Ir adicionando a farinha até sentirmos que a batedeira começa a emperrar. Quando isso acontecer, juntar o fermento e o bicarbonato, e, depois, com uma colher de pau, continuar a misturar a farinha.
Deixar repousar a massa, com um paninho por cima, durante, no mínimo, uma hora. Fazer bolinhas com mais ou menos cinco centímetros de diâmetro, passo o preciosismo, e dispô-las em tabuleiros com papel vegetal. Levar ao forno, pré-aquecido a 190ºC, durante aproximadamente 15 minutos. Para lhes dar alguma graça, polvilhem cada Broínha Matrafona com açúcar e canela antes de irem cozer. Elas devem crescer e rachar no cimo, criando uma "côdea" à sua volta.
Acompanhem-nas com uma tisana, ou com um chocolate quente. Eu, estando em casa do "Sr. Gaspar", acompanhei com uma cevadinha de saco. Hummm!



Pedro Pinho e Suárez


27 de novembro de 2017

"Encontros da nossa Diáspora"

"Encontros da nossa diáspora" intitulou, e muito bem, a querida professora bibliotecária, aquele que foi, tal como acontece no livro, um momento de convívio entre várias gerações.

Eu e A história de Martim Pescador e Sr. Gaspar fomos convidados a visitar a Biblioteca Escolar do Agrupamento de Escolas do Búzio, em Vale de Cambra, por intermédio da professora Cristina Filipe. A instância que tanto me privilegiou deixou-me absolutamente estarrecido, emocionado. Já conhecia e reconhecia o empenho e a qualidade com que os eventos são feitos e conduzidos pelos dedicados professores daquela Escola, mas, desta vez, "todo o cuidado foi muito"!

A grande plateia que me brindou com a sua agradável presença, a qual incluía estudantes do primeiro ao terceiro ciclos, professores e auxiliares, revelou grandes e belas surpresas. Em suma, a Escola teve a enorme amabilidade de explorar o meu livro, abordando-o de diferentes formas, com diferentes idades, em diferentes disciplinas: houve a apresentação de trabalhos de escrita criativa e de expressão plástica, a exposição de considerações científicas associadas à história, momentos de dramatização, onde alunos e professores fizeram surgir um narrador eloquente, um Sr. Gaspar de bengala e um Bufo Verrucoso com cartola preta...

A biblioteca inteira vestiu-se do livro - "todo o cuidado foi muito!", repito -: à entrada, erguiam-se telas, do chão ao tecto, com pinturas alusivas à Floresta e à Avenida do Palacete, e havia maquetes dos edifícios descritos na história. Já dentro da própria biblioteca, emergia um alto arbusto desfolhado, decorado com imagens dos vários animais que vagueiam pelo livro; as ilustrações originais do livro também lá estavam, estrategicamente dispostas em cavaletes, e uma maravilhosa árvore, provavelmente uma macieira, decorava o canto do estabelecimento onde me sentei, de forma a poder ver e ouvir toda a gente.

Serve esta pequena reportagem para, de alguma forma, eternizar um momento que eu não queria que acabasse. Não fui àquele espaço, que também considero um bocadinho meu, fazer uma apresentação do livro, como seria costume. Em vez disso, qual espectador em constante deleite, admirei todo o trabalho feito sobre A história de Martim Pescador e Sr. Gaspar, um labor partilhado entre alunos e professores - uma delícia, não acham?
Assim, e porque não pretendo alongar muito esta publicação, deixo aqui gravado o meu sentido agradecimento a todos os presentes, sem excepção, e à Escola em geral, à professora Cristina Filipe pelo convite, à professora Madalena, a minha "professora-mãe", pelas amáveis palavras que me dirigiu, e à professora Teresa Rebelo por "ter lançado a semente", a qual acabou, na minha opinião, por germinar numa colossal árvore de prazeres.

Mesmo no final, antes de um agradável repasto num contexto mais íntimo, fui surpreendido, positivamente, por alguns interessados que vieram adquirir o livro. Desta forma, nestas pequenas "entre-linhas", vou dando conta de que, efectivamente, "a seu tempo" o objectivo vai sendo cumprido.

Deixo em público: foi das melhores surpresas que alguém já me fez. E, por isso, a minha gratidão é desmedida.





     




No final, ao jeito de convite privado, lembrando o próprio Sr. Gaspar, bebemos uma deliciosa e refrescante tisana. A bebida, morninha, foi essencial para empurrar os pastéis de nata confeccionados pelos alunos de Hotelaria.

Novamente, porque não me farto nem é de mais, muito obrigado!


A história de Martim Pescador e Sr. Gaspar
Pedro Suárez


17 de novembro de 2017

LIVRO SOLIDÁRIO!


«Numa altura em que as responsabilidades e considerações ambientais e ecológicas estão em segundo (às vezes em terceiro) plano, é importante darmos atenção aos nossos "parentes" patudos, ajudando-os da forma que pudermos. Assim, A história de Martim Pescador e Sr. Gaspar aliou-se à "Associação Patinhas", a instituição valecambrense de protecção e defesa animal, revertendo parte do valor das vendas dos livros. Vamos ajudar! É fácil, pouco dispendioso, altruísta e signif
icativo. Agradecemos a partilha da mensagem, bem como o envolvimento nesta iniciativa, pois os animais, negligenciados e desprotegidos como têm estado, merecem. 
Consideremos as temperaturas invernais que começam a chegar: anunciam o início da mágica época natalícia, sim. Mas também impõem o desconforto para muitos seres sem comida nem abrigo. Assim, convidamos todos os interessados a transformarem este gesto solidário num bonito e valioso presente, oferendo-o no Natal aos entes queridos, e, ao fazê-lo, presta um acto de elevada compaixão e humanismo.    
PARA AJUDAR COM LITERATURA:
Contactar associacao.patinhas.vlc@gmail.com;
IBAN: PT500033 0000 45330 7196 8005 (Millennium BCP);
Preço do livro: 12 euros. Valor revertido: 3 euros. 
Os portes de envio são por conta do nosso autor.

Com os nossos melhores desejos,
Os habitantes da Floresta do Palacete»




17 de outubro de 2017

A Relação entre "As minhas Histórias" e a Destruição da Floresta Portuguesa

Neste momento de perda de vidas humanas, de biodiversidade e de paciência, ouso ensejá-lo para chamar à e a atenção de vários problemas, onde os valores e as prioridades estão em jogo. Num jogo sujo, em cujas regras, aparentemente, são categoricamente negligenciadas, entenda-se.

Sem querer "puxar pelos galões", como diz o Sr. Professor Galopim de Carvalho, é-me praticamente obrigatório dizer que, como estudante de Biologia do mais prestigiado departamento do país, ligado teluricamente ao Mundo Natural desde que me lembro, defensor acérrimo da preservação dos ecossistemas, divulgador das Ciências Naturais pelos meios cibernéticos e imprensa regional, e sofredor pela dor alheia, não posso, de forma alguma, pois a minha consciência não mo permite, deixar de me manifestar em relação ao "ecocídio" que se abate pelo nosso país.
É mais que sabida a história do impacto dos incêndios dantescos, quer a nível antrópico, quer a nível ecológico. Por isso, não esmiuçarei o assunto por essa perspectiva. Aliás, existem, ao alcance de todos, artigos e textos de opinião fantásticos de grandes pessoas, como é o caso do Sr. Professor Jorge Paiva, que sabem, muito, muito, muito, mas mesmo muito mais que eu e que, por essa mesma razão, não me parece que lhes acrescentaria alguma coisa.
Assim, e porque não creio ter um grande alcance de leitores por estas bandas, gostaria de elucidar as pessoas que me estão mais próximas fisicamente de duas ou três coisas. E vou fazê-lo!

As nossas fauna e flora, enfim, a nossa biodiversidade enfrenta um grave e rápido declínio. Pronto, não há forma mais clara e simples de o dizer. Compreendam, por favor, que a presente situação, pela qual Portugal está a passar, de elevada humanização da paisagem, tem erradicado as áreas naturais e a sustentabilidade do meio ambiente. Sem árvores e outras plantas nativas, sem uma Floresta Autóctone, não há a reciclagem dos gases atmosféricos, o dióxido de carbono não é fixado, o oxigénio não é produzido, a percentagem de humidade no ar, que seria evapotranspirada pelos seres fotossintéticos, cai exponencialmente, o ciclo da água fica incompleto, os cursos de água doce (a que nós bebemos e usamos para as mais diversas actividades, lembrem-se) começam a "esvaziar-se" e não são purificados, os solos deixam de ser fixados, ficando desprovidos de nutrientes e mais propensos a colapsarem. Em suma, estando os nossos ecossistemas fragilizados e em total desequilíbrio, e tendo em conta que esta crise ambiental é à escala global, há uma boa e grande probabilidade de ficarmos sem água para beber, sem comida para comer, sem solo fértil para produzirmos ou darmos oportunidade de produzir alimento, sem um chão seguro para pisar, sem ar para respirar! - é assim que se ensinam os jovens e as crianças, mais ou menos com estas palavras. E vocês, caros leitores acima dos dezoito anos, percebem o quelho onde nos fomos "meter"? Eu não me refiro apenas às "plantinhas", como alguns poderão aviltar. Uma Floresta é um ecossistema extremamente complexo, uma rede intrincada de relações entre animais, plantas, fungos e outros seres vivos, é a gradual modificação das rochas e dos seus componentes que se libertam para o meio, é o tronco de árvore caído que dá matéria e energia ao ciclo da vida. É isso mesmo! A Floresta é vida!

"E que raio tem isto a ver com as tuas histórias?", poderão perguntar.
A resposta é bastante singela e não tenciono alongar muito mais. Refiro-me, neste caso particular, ao livro "A história de Martim Pescador e Sr. Gaspar". Não, não estou a tentar "vender o meu peixe", seria incapaz de aproveitar uma situação tão delicada como esta para fazer semelhante coisa. A questão é que, como os leitores mais atentos admitem e confirmam, não obstante a crítica social que também está presente, o elenco é estruturado, de fio a pavio, por uma visão de um Portugal intacto, virgem, intocado. Há a passagem das planuras douradas, pontilhadas com sobreiros e outras plantas, que surgem da realidade natural do nosso Sul. E, depois, a chegada à luxuriante Floresta, mais a Norte, onde descrevo, ensino e relembro várias espécies faunísticas e, principalmente, botânicas das nossas manchas florestais, ou daquilo que elas seriam se tivessem sido respeitadas, amadas e preservadas. Mais! A Floresta que eu descrevo na história é - e agora chamo a atenção dos meus conterrâneos - precisamente a floresta mista que Vale de Cambra já foi, em tempos, há centenas e centenas de anos. Sim, Vale de Cambra, essa terra que agora não é mais que uma monocultura de eucaliptal a renascer das cinzas, já foi um éden biológico. Eu tentei arrancar esse verdadeiro "Vale Mágico" da densa e profunda destruição ecológica através de uma alegoria com mais de oitenta páginas, mas creio que poucos o perceberam, incluindo os membros da autarquia, ou seja, aqueles que, efectivamente, podem e devem fazer alguma coisa em relação à tragédia que aqui é posta em perspectiva.

Mas eu ainda não acabei o meu trabalho... Ainda tenho mais para fazer.
Não tenho problema nenhum em divulgar que, por exemplo, este sábado, dia 21 de Outubro, estarei na cidade do Porto, na Avenida dos Aliados, a participar na manifestação "Portugal Contra os Incêndios". Tive conhecimento que será uma manifestação silenciosa, mas eu não me importo: já gritei aqui!
E os meus caros leitores, podem ou querem fazer alguma coisa em relação a este flagelo? Dizerem que são muito amiguinhos dos bombeiros já me causa briquismo. Esses heróis precisam de ajuda materializada, não precisam de elogios baratos.
Por favor, tomem uma atitude. Caminhemos para um mundo melhor, mais puro e menos perigoso.

 
Numa floresta exemplar em Espanha, Galiza. 




     

10 de julho de 2017

"A História de Martim Pescador e Sr. Gaspar", de Vale de Cambra a Barcelos

     Julgo que chegou a hora de tecer uma retrospectiva em relação à história do jovem guarda-rios e da sábia tartaruga, pois, até Setembro, pelo menos, as nossas "aventuras" terminaram. Melhor dizendo, fazem uma pausa, assim o quero crer.
     A obra que alguns de vós, caríssimos leitores, poderão ter, fez com que eu tivesse o enorme privilégio de "voar" numa viagem espantosa. Eu sei que, em quase tudo na história, está um registo autobiográfico, mas nunca pensei aproximar-me tanto de Martim Pescador como aconteceu: num capítulo apenas, o meu ainda curto percurso transportou-me para muito mais longe do que aquilo que esperava; aprendi muito - e não há outra forma de o dizer -, quer sobre o mundo editorial, quer sobre a natureza da mente humana, e, por isso, sinto-me mais do que era, com toda a humildade que me permite isto escrever.
     Enquanto digito estas palavras, permita-me, amigo leitor, partilhar a minha enorme felicidade. Sinto-me radiante, um sortudo! E, tendo em conta aquilo que já foi dito e aquilo que fica sempre por dizer, considero imperativo nobilitar a minha editora, a Alfarroba, sobretudo a directora editorial, Andreia Salgueiro, pelo trabalho de excelência que fizeram, pelos acompanhamento e consideração que continuam a demonstrar e, também, por evidentemente conhecerem a obra a fundo e saberem "dar conta do recado". Assim, dirijo-lhes especial agradecimento.
     Naturalmente que a minha gratidão é extensível à minha família, a poucos mas bons amigos, aos leitores e a todos os que se têm cruzado comigo no caminho da vida.


     Ora, o livro foi lançado na cidade de Vale de Cambra, a 22 de Abril deste mesmo ano, dia em que se comemora a Terra, em todo o mundo, e o Património Geológico, em Portugal. Foi um momento muito especial, primeiro pelas óbvias razões, e depois por ter sido palco de reencontros e convivências, numa casa cheia e muito animada, onde todos quiseram voar com Martim Pescador e beber uma tisana com o Sr. Gaspar.







     Depois do lançamento do livro A História de Martim Pescador e Sr. Gaspar em Vale de Cambra, fui convidado a ir apresentar a obra a Peso da Régua. 





     A seguir, Riba de Ave, em Famalicão. Esta apresentação foi de "andar aos tombos com riso"! É tão bom interagir com jovens crianças, tão bem instruídas e tão interessadas... 





     A Grande Feira do Livro, em Lisboa! Uma verdadeira honra, claramente.





     E, por fim, Barcelos, com a expectativa de que não seja a última paragem. 




     Depois desta viagem cujo final ficou em aberto, percebi, com alguma relutância, que a abertura e a aproximação do autor para com os leitores é fundamental. Não obstante, o meu perfil pessoal ainda não me permite exibir determinados aspectos da minha vida, ou, até, apenas da minha pessoa. No entanto, é com muito gosto que deixo, aqui, o meu contacto pessoal. Façam com ele aquilo que vos fizer sentido: pedropinhosuarez@gmail.com

Até breve, caros amigos, e boas leituras! 

Pedro Pinho e Suárez


Nota: o livro está à venda pelas livrarias do país, mas de momento esgotado em algumas. Não deixem, no entanto, de fazerem as vossas encomendas! 


16 de abril de 2017

A História de Martim Pescador e Sr. Gaspar

     Uma característica inerente à nossa espécie é gostar de histórias. Assim, os adultos contam muitas histórias às crianças, e, frequentemente, as crianças pedem para se contarem histórias. Todos gostamos, aliás, de saber histórias familiares, histórias de viagens, enfim, histórias de diversos acontecimentos. A própria evolução não é mais do que a história da vida no Globo Terrestre.
     Felizmente, a literatura infantil e juvenil, está repleta de histórias verosímeis ou inverosímeis, com animais, plantas, florestas e seres humanos, como é o caso deste livro. Por isso, felicitamos o autor e a editora desta encantadora obra.
Professor Doutor Jorge Paiva, Biólogo



     A História de Martim Pescador e Sr. Gaspar é o meu mais recente livro, cujo lançamento foi no dia 22 de Abril deste ano (Dia Mundial do Planeta Terra), na Biblioteca Municipal de Vale de Cambra.
     Embora apareça ao público neste presente, o "mundo" destas minhas histórias já é bem antigo. Remonta, aliás, e segundo me recordo, aos meus oito ou nove anos. E, como ser o autor a descrever detalhadamente a própria obra - especialmente se usada adjectivação com frequência - pode suscitar uma ideia de pretensiosismo, ficar-me-ei, por enquanto, com uma muito breve descrição do livro para os mais interessados. 

     Tal como tenho vindo a fazer desde tenra idade, escrevo e ilustro (porque gosto) elementos da Natureza, quer sejam animais e plantas, cogumelos e outros seres viventes e, de quando em vez, rochas, minerais e paisagens - embora as últimas já não me motivem muito, tanto é que, no meu arquivo, são bastante raras. As ilustrações são fáceis de fazer, estejam bem feitas ou não. Os textos, as tramas, as histórias, são, apesar de não tão fáceis, categoricamente prazenteiras. 
     Quando, através do traço e das palavras, se cria um universo só nosso, onde as regras são criadas por nós e o enredo é controlado pelo autor, é extremamente difícil querer sair dele. Isto acontece precisamente n'A História de Martim Pescador e Sr. Gaspar, assim como nas Pequenas Histórias e noutros textos que escrevo - ou melhor: que vivo! 
     Este meu primeiro "mundo", que, com muita sorte, veio em livro através de uma editora absolutamente fantástica, tenta enobrecer a ideia de que, não obstante a idade, a posição social, a religião ou a etnia, nunca devemos questionar o poder e a influência dos mais velhos, assim como nunca devemos desacreditar nas capacidades, venham elas na forma em que vierem, dos mais novos. O enredo deste epílogo é adornado por elementos do Mundo Natural, onde existem animais que falam e humanos que os compreendem, plantas fantásticas (na qualidade do fantasioso, naturalmente), florestas "mágicas" e criaturas misteriosas, não fosse a tentativa da aproximação à Natureza um dos intuitos deste livro. 

     Com o prefácio de Teresa Rebelo, na forma do convite mais irrecusável que uma obra poderia ter, a validação científica do mítico Professor Doutor Jorge Paiva e com o remate final de Margarida Negrais (autora de vários livros de reconhecimento), A História de Martim Pescador e Sr. Gaspar é, efectivamente, uma história deveras figadal, mas também uma história de mim para vós, todos vós, onde alguns se poderão rever, quer na própria trama, quer nas personagens que se vão tecendo ao longo da estória. 


     Para seguirem mais assiduamente o desenrolar desta trama, queiram "gostar" da página oficial de Facebook, clicando AQUI.  



     A História de Martim Pescador e Sr. Gaspar foi notícia no quinzenário portuense "As Artes Entre as Letras". E, a propósito deste registo, recordei-me das palavras da minha Grande Amiga: "Se já não conhecesse a história, este artigo tratava de me pôr a comprar o livro...!" - ter amigos destes enche-nos o coração!  

Nota: o livro está à venda pelas livrarias do país, mas de momento esgotado em algumas. Não deixem, no entanto, de fazerem as vossas encomendas! 

         

10 de fevereiro de 2017

A Pequena História de Pitosga Madrigueira

   Na grande Floresta do Palacete vivem muitas criaturas, como alguns de vós poderão saber. Muitas aves, muitos répteis, muitos anfíbios, muitas plantas e muitos mamíferos, entre os quais toupeiras. Mas, de todas as toupeiras, a mais evidente é o Sr. Pitosga Madrigueira que, depois de ter sido expulso dos amplos campos de uma camponesa, vive agora num terreno arborizado essencialmente por carvalhos, no subsolo - como não poderia deixar de ser -, entre camadas de terra fofa e fértil e manta morta. Poder-se ia dizer, portanto, que o Sr. Pitosga Madrigueira, Madrigueira (apenas) para os mais chegados, vivia feliz no seu novo lar subterrâneo de túneis limpos e intrincados, não obstante a sua expulsão dos terrenos agrícolas. No entanto, apesar de estar, agora, mais em paz no seu actual lar, o motivo que o fez mudar-se foi deveras ilegítimo, já para não falar de uma situação injusta que se sucedeu e que, de certa forma, também a si está ligada.
   Por sorte ou acaso, sei perfeitamente do enigmático caso do Sr. Pitosga Madrigueira, pois, aqui há uns dias, houve um jantar em casa do António Espínhola - o ouriço-cacheiro, nosso amigo em comum -, para o qual fomos convidados e onde tudo se revelou.


   Era final de Inverno, a floresta estava despida, exceptuando as manchas de árvores de folha perene, e o frio era uma presença imperativa. No entanto, o céu estava limpo e não havia vento, apenas uma leve brisa fresca que competia silenciosamente com os raios de sol: à sombra era um gelo, mas nas clareiras estava uma temperatura agradável, para quem estivesse bem agasalhado, claro.
   Até ser hora de me dirigir para casa do António Espínhola, estive em casa do Professor Pedro Pedra, onde lanchei uma grossa fatia de bolo mármore acompanhada de uma aromática cevada. Quando o sol se pôs atrás dos rombos vales a Oeste e a escuridão avançava pelo lusco-fusco afogueado, parti de casa do Professor Pedro Pedra com uma garrafa de tinto de alta qualidade, cortesia do anfitrião, para que a oferecesse ao ouriço Espínhola.
   O lar do amigo espinhoso, não muito longe da do Professor, era debaixo de um grande e velho tronco caído. A entrada dava imediatamente lugar a uma grande sala com lareira, criteriosamente iluminada por velas de cera de abelha, onde uma comprida mesa, já posta com pompa e circunstância, era velada por uma imaculada toalha de linho com complexas rendas no perímetro, provavelmente tecida pela Sra Dona Amélia Mitra.
   Assim que entrei, fui recebido pelo meu caro amigo Espínhola com um abraço - o que requereu um certo cuidado da minha parte, não fosse picar-me na sua libré pontiaguda -, mas já lá se encontravam dois convidados que me saudaram cordialmente: um grande lagarto-ocelado e um pisco-de-peito-ruivo, os quais bebericavam um Porto cor de sangue em frente à convidativa lareira.
   O maravilhoso cheirinho a assados começara a invadir a sala vindo da cozinha, onde o Espínhola se encontrava nos seus afazeres culinários. Nisto, bateram à porta mais dois convidados. Nós, os que estávamos à lareira a conversar, sentados nuns pequenos bancos de madeira, levantámos-nos para os saudar, e o espinhoso anfitrião foi recebê-los à porta: chegara um gineto e um grande sapo de cartola. O primeiro trazia uma cesta com ovos, ainda com casca mas já cozidos, e o segundo trazia uma garrafa com licor de medronhos - ofertas atenciosas como consideração a quem lhes ia proporcionar a tainada.
   Depois de receber os simpáticos presentes, o António Espínhola dirigiu o gineto e o sapo até aos restantes convidados, pondo-os à vontade, mesmo antes de voltar para a cozinha para terminar o repasto.

   - Falta mais alguém, Espínhola? - indagou o pisco-de-peito-ruivo da sala para a cozinha.
   - Sim, falta o Madrigueira. Não deve demorar.

   Ficaram todos atónitos com a resposta do anfitrião, pois o Sr. Pitosga Madrigueira não costumava sair de sua casa, era muitíssimo raro, aliás. Mas, após alguns segundos, e porque a humilde toupeira nunca fez mal a ninguém, voltaram todos à conversa como se nada tivesse acontecido - e, de facto, nada aconteceu, foi apenas mais um daqueles típicos momentos de julgamento alheio e de constrangedora troca de olhares.

   Poucos minutos depois, ouviu-se alguém a bater à porta com um pumpumpum hesitante. Estávamos todos à espera que fosse o Sr. Pitosga Madrigueira e, de facto, era ele. Quando o nosso amigo Espínhola abriu a porta, vislumbrou-se uma gorda toupeira, de pêlo negro e aveludado, que surgiu cautelosamente da escuridão do exterior. Nas suas robustas mãos, quais pás róseas de cinco dedos, trazia um bonito bolo com recheio; farejou freneticamente o ar com o seu simpático focinho e piscou os seus minúsculos olhos depois de ter sido permitida a sua entrada.
   - Boa noite, meus senhores. - cumprimentou-nos, sorrindo e voltando a piscar os olhos, que mais não eram que dois exíguos pontinhos negros.
   - Boa noite, Madrigueira! - responderam em uníssono. Eu também o havia cumprimentado, mas num tom de voz quase inaudível e tratando-o por Sr. Pitosga Madrigueira.
   - Vá! Sentem-se, sentem-se! Aqui não há lugares marcados. Estejam à vontade. - dizia o nosso carinhoso anfitrião enquanto trazia travessas de comida para a mesa.
   Havia uma travessa com peixe e nabos assados, guarnecidos com ramos de funcho e salvia, outra travessa com coelho assado, uma gamela com caracóis guisados e outra com os ovos trazidos pelo gineto, entretanto regados com azeite quente e salpicados com salsa picada. Com o Porto, o tinto que eu levara e o licor de medronhos, a pândega estava pronta a ser desfrutada!

   Foi, efectivamente, uma jantarada muito agradável. As conversa e boa disposição eram evidentes, relembraram-se peripécias de antigamente, falaram-se acontecimentos recentes e contaram-se anedotas que faziam irromper gargalhadas de todos. O Sr. Pitosga Madrigueira, com as suas grossas lunetas postas desde o início do jantar, pouco se pronunciou, mas acompanhava, com a sua típica essência discreta, as conversas com um sorriso na cara.

   Chegada a hora da sobremesa, o Espínhola serviu a iguaria trazida pela toupeira: um bolo de pinhões recheado com compota de minhoca. Serviu uma infusão de hortelã-pimenta e todos nós nos deliciámos, naquela que se acabou por tornar a parte mais calma da noite. E foi precisamente nessa instância que eu tomei conhecimento da história do Sr. Madrigueira.

   - Este bolo está absolutamente delicioso! Ainda bem que veio, Madrigueira. - disse o grande sapo de cartola, ainda com a boca cheia.
   - Ó Madrigueira, não leve a mal a minha pergunta, mas... - o lagarto-ocelado foi interrompido pelo ouriço-cacheiro:
   - O nosso amigo Madrigueira está cá hoje porque achei que merecia um momento de convívio e distracção, tendo em conta aquilo que aconteceu.
   Ficámos todos a olhar uns para os outros, sem perceber o que quis ele dizer com aquilo.
   - Mas, claro, só o próprio o explicará, se achar que deve. - concluiu o António Espínhola.
   Os olhares fixaram-se todos na simpática toupeira.
   - Bem... Como sabem, até há pouco tempo eu vivia na zona agrícola, debaixo do campo de uma camponesa que costumava plantar plantas bolbosas. Vivi lá durante muitos anos, sabem? E, durante muitos anos, o esquilo Nogado-Nogueira vinha, a meu convite, almoçar todos os dias a minha casa. Como devem saber, o Nogado sempre foi um ser um bocadinho... Como é que eu hei-de dizer?... Ávido? - contou o Sr. Madrigueira.
   - Como assim, "ávido"? - perguntou o gineto, o qual, na verdade, não simpatizava muito com o roedor.
   - Ora, o Nogado sempre teve a sua grande provisão de frutos secos na árvore onde vive. E aquela provisão dava para três esquilos sobreviverem a três Invernos seguidos, para vos ser franco. No entanto, para ele, isso não chegava. Por isso, há alguns anos, quando a nossa amizade começou a nascer, ele pediu-me se podia guardar mais frutos secos numa das minhas despensas subterrâneas e, como é óbvio, aceitei de bom grado. Disse-lhe, até, que podia entrar e sair de minha casa à vontade, quando bem lhe conviesse. Enfim, como devem calcular, o Nogado encheu-me uma despensa de tal maneira, que já resultava impossível fechar a porta. Tanto é, que muitos dos seus frutos secos transbordavam da despensa para fora e andavam perdidos pelos meus corredores. - continuou a toupeira.
   - Que abuso! - disse o gineto, mas o ouriço Espínhola lançou-lhe um olhar reprovador, como se o estivesse a alertar para não "mandar mais achas para a fogueira".
   - Na verdade, amigo - respondeu o Sr. Madrigueira ao gineto -, na altura sempre considerei a presença do Nogado uma companhia muito agradável e, por isso, nunca o tomei por abusador. Mas, claro, como está patente, com o tempo os seres vão-se revelando, não é assim?
   - Pode crer, Madrigueira. Pode crer. - anuiu o gineto, com o aceno de cabeça aprovador vindo do pisco-de-peito-ruivo.
   - Mas, como eu estava a dizer, a certa altura, as visitas do Nogado à minha despensa começaram a aumentar exponencialmente, até que me pediu se podia começar a encher outra. Como éramos bons amigos, nem pensei duas vezes e disse logo que sim. Não obstante, sempre que passava pelos meus corredores, o Nogado ia roendo as raízes tuberculadas das plantas que a camponesa plantava, coisa que as começou a enfraquecer e, entretanto, levou-as à morte. Escusado será dizer que a camponesa culpou-me da mortalidade das suas hortaliças e expulsou-me dos seus campos. Naturalmente que tive de dar as "más novas" ao Nogado e ele reagiu com uma estranha displicência, como se tivesse sido, de facto, eu o culpado. Perguntei-lhe se ele queria ajuda para mudar as suas provisões de frutos secos, até lhe disponibilizei a minha actual casa, que na altura não a tinha, mas era como se fosse um convite a longo prazo. Ele respondeu-me com um "talvez" e foi-se embora.
   - E há quanto tempo é que isso se passou, Sr. Pitosga Madrigueira? - perguntei-lhe.
   - Há não mais que dois meses. Entretanto, voltei a vê-lo na zona da minha actual casa e convidei-o para um lanche. Ele recusou...
   - Aposto que nem agradeceu. - acrescentou o gineto.
   - Infelizmente acertou, amigo. Ele não agradeceu. Mas isso nem me perturbou na altura, para ser honesto. Reparei que ele estava com pressa e, a segui-lo, ia outro esquilo. Provavelmente um novo amigo, ou assim.
   - Deve ser um tal de Urbanita Bigodes, um esquilo que o Nogado conheceu na Grande Cidade. - elucidou o pisco-de-peito-ruivo.
   - Seja o que for... O Nogado pode ter todos os amigos que ele bem entender, mas sinto que fui usado e, logo a seguir, descartado sem quaisquer precedentes. - concluiu o Sr. Madrigueira, sorvendo um pouco da infusão de hortelã-pimenta.
  - Permita-me a frontalidade, Madrigueira, mas, se tivesse sido comigo, eu dava-lhe uma tareia! Abusador de primeira ordem! - rosnou o gineto.
   - Eu simplesmente deixava de falar com ele, nem que me cumprimentasse. - sibilou o grande lagarto-ocelado, de olhar indignado.
   - Eu chamava-o à razão. Ia ter com ele e esclarecia logo as coisas. Ele até pode nem se ter apercebido do erro que cometeu. É sabido que há esquilos que não dão para mais. - opinou o pisco-de-peito-ruivo.

   A pobre toupeira, bombardeada de decisões e perspectivas diferentes, olhava para um lado e para o outro, sem saber o que responder.

   - Pobre Nogado... Éramos tão bons amigos. E se ele agora não tem sítio para guardar todas as suas provisões? - indagou a bondosa toupeira.
   - O Madrigueira está preocupado com isso? Ele agora que se resolva! - retorquiu o gineto.
   - É natural que o nosso amigo Madrigueira esteja a sofrer. Afinal, provavelmente perdeu uma amizade por uma causa alheia aos seus actos. A decisão deve ser dele. - disse o anfitrião, António Espínhola. - Mas, entretanto, fica o Madrigueira a saber que tem, entre nós, um grupo coeso de amigos e, quando precisar de alguma coisa, já sabe com quem pode contar. Como diria a Sra Dona Amélia Mitra, "nunca digas desta água não beberei". Não sabemos o dia de amanhã. Pode até acender-se uma luzinha na consciência do Nogado...
   - É possível. - disse eu.
   - Não creio. - disse o gineto.


   A verdade, é que ainda não tenho novidades da relação entre o Sr. Madrigueira e o Sr. Nogado, mas acredito que a grande mudança, se é que ela for destinada a existir, deveria vir de quem cujos actos não foram honestos nem bem balançados.


Texto e Ilustração por Pedro Pinho e Suárez (Talpa europaea, toupeira-comum). 


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30 de janeiro de 2017

A Pequena História do Pavão sem Cauda

   Recebi, ainda hoje, uma carta da Professora Florbela Plântula, mulher do Professor Pedro Pedra, com um conteúdo deveras interessante. Ela costuma estar ausente da Floresta do Palacete uma vez por ano, durante dois ou três meses, normalmente por compromissos investigativos em florestas tropicais do Oriente, muito distantes das temperadas.
   Era já habitual enviar cartas ao seu amado, onde descrevia os seus achados botânicos com letras de saudade. Não era, no entanto, comum enviar-me cartas a mim, embora o tivesse feito por quatro vezes em dez anos. Mas, o mais curioso, foi o facto de esta carta, que recebi hoje, não contemplar exemplares secos e prensados das mais exóticas flores, como havia sido até à data, senão uma pequena história sobre uma situação que se passou e que ela havia presenciado e, para meu espanto, algo mais.

   Nos grandes Jardins Reais de uma antiga mansão, onde a Professora Florbela Plântula pernoitava depois das suas investigações científicas, vivia um pequeno grupo de pavões, do qual fazia parte um grande e nobre macho, de pescoço e peito azul-iridescentes, patas esguias ao estilo de duas varas de prata com uns grandes esporões cada, uma delicada crista de brilhos cerúleos e a mais bela e longa cauda de penas que alguém havia visto.
   Esse grande pavão, o Duque Durázio, era sempre uma presença imponente naqueles belíssimos jardins de gardénias cheirosas, rododendros frondosos, caneleiras-do-Ceilão, palmeiras e sândalos floridos.
   Todas as manhãs, o Duque Durázio saía da densa vegetação, onde dormia, e dirigia-se para os relvados abertos, mesmo em frente à mansão. Pelo caminho, e na sua típica marcha compassada e altiva, de cabeça pretensiosamente erguida, peito projectado para a frente, olhos semi-cerrados e com as longas e majestosas penas da cauda a arrastarem-se pelo chão - como se de um manto se tratasse -, ia cumprimentando as pequenas criaturas pelas quais passava, apenas com um subtil meneio. Aliás, para o Duque Durázio, todas as criaturas lhe eram inferiores: existem rumores de que cumprimenta os colossais paquidermes da mesma forma como cumprimenta as humildes rolas, ou, até, os pequenos roedores.
   Quando chegava aos relvados abertos, vociferava para todos os lados, com uma voz estridente e projectada, com o intuito de chamar a atenção.
   - Olhai! Olhai! - dizia bem alto. - Olhai! Olhai! - abria ligeiramente as asas para baixo, mostrando padrões ocre e flectindo ligeiramente as elegantes patas. - Olhai! Olhai! - e, por fim, quando obtinha as atenções desejadas, abria o seu conspícuo leque de longas e majestosas penas.
   - Olhai! Olhai! Regalem-se com esta visão, pois só eu vos a posso mostrar!
   A verdade é que a sua cauda era, de facto, soberba. Parecia que ninguém se fartava de a admirar. Mas, quanto à atitude... Bem, pode-se dizer que não era aprovada pela maioria.

   Todos os dias, à excepção dos dias chuvosos, o convicto pavão Duque Durázio desenrolava este ritual. E, todos os dias, depois da sua exibição, que deixava as fêmeas de bico caído, aproximava-se dos outros machos, cujas caudas eram mais pequenas e menos exuberantes.
   - Suas amostras de pavões. - dizia-lhes, com displicência. - Vergonhosas penas, as vossas. Não são dignas de se mostrarem nos Jardins Reais.
   Depois de os reprovar, humilhava-os publicamente, numa espécie de competição garantida.
   - Olhai! Olhai! - abria o seu leque junto dos outros machos. - Olhai que miseráveis leques emplumados, os dos outros! - vociferava.
   Os outros machos, cabisbaixos e deprimidos, acabavam sempre por se retirar, tamanha era a arrogância do Duque Durázio. O seu ego parecia ocupar todos os interstícios que sentissem a sua presença, ao ponto de "empurrar" muitas fêmeas para outros locais.

   Houve, no entanto, uma fêmea especial que conquistou o coração do grande pavão.
   O Duque Durázio, porém, nunca deixara as suas exibições exageradas, vaidosas, mas, em vez de, nos tempos em que não as perpetrava, se empoleirar no ponto mais alto da mansão a observar tudo e todos, passava o tempo com a sua fêmea conquistadora, namoriscando, feliz da vida.
   A meio de um qualquer Verão, a fêmea do Duque Durázio fez um ninho e, nele, depositou quatro lindos ovos - a descendência do glorioso Durázio. A dedicada mãe incubou-os durante um mês e, quando eclodiram, o dia foi marcado por uma felicidade inquantificável por parte do pai dos pequenos e ternurentos pavõezinhos. Para o Duque Durázio, a partir daquele dia, as gardénias começaram a cheirar melhor, os rododendros a parecerem mais frondosos, as caneleiras-do-Ceilão mais encantadoras, as palmeiras mais altas e os sândalos mais deleitosos. No entanto, como seria de esperar, nem os seus amados filhos - duas pequenas fêmeas e dois pequenos machos - representaram impedimento para os seus habituais pavoneios.

   Um dia, anos mais tarde, já as suas filhas se preparavam para serem mães e os seus filhos para serem pais, o grandioso Duque Durázio, a meio de uma das suas exibições, começou a ouvir algo que o desconcertou veementemente.
   - Olhai! Olhai! - vociferavam os outros pavões machos. - Olhai que pequenos leques têm os filhos do Duque Durázio! Olhai! Olhai!

   O grande pavão apressou-se a fechar o seu leque e, correndo o mais que pôde, com uma expressão preocupada, penetrou pela densa vegetação até chegar ao outro relvado, onde se encontravam os outros pavões machos, incluindo os seus filhos.

   - Olhai! Olhai! - repetiam eles, envergonhando os filhos do inveterado, que acabaram por se retirar, tristes, destroçados, deprimidos.

   O Duque Durázio ficou furioso, estava capaz de cravar os seus afiados esporões naquelas ousadas aves. No entanto, entendeu que isso não traria honra ao seu nome, nem felicidade aos seus filhos. Reflectiu sobre os seus feitos, avaliou os actos dos outros pavões e pensou nos seus pobres filhos, que agora sofriam por um passado incorrecto e alheio às suas existências. Retirou-se discretamente de onde estava e foi ao encontro da sua prole masculina. Tentou reconfortá-los, dizendo-lhes que, com o passar dos anos, as penas das suas caudas acabariam por crescer mais compridas e coloridas. Porém, as vãs tentativas do preocupado pai não lhes trouxeram muito conforto, mas o grande pavão deu conta disso.

   Quando a noite desse indigno dia chegou, o Duque Durázio esgueirou-se, sem que a sua companheira visse, para o galho de uma árvore que se encontrava mais isolada e, durante a escuridão, uma a uma, arrancou todas as suas longas e majestosas penas da cauda, o que o levou a permanecer acordado até à alvorada do dia seguinte. Embrulhou as suas preciosas penas num pano da mais fina das sedas e entregou-o à Professora Florbela Plântula, quando a encontrou a sair da mansão.
   Ao aparecer perante os seus filhos sem uma única pena na cauda, causou, naturalmente, um grande impacto, pois um pavão sem cauda é como um rei sem coroa.
   - Não se preocupem, queridos filhos. Quando os vossos leques estiverem desenvolvidos o suficiente para aplacar as vossas ambições, o meu, com certeza, também estará.

   É claro que, no início, o Duque Durázio foi alvo de chacota. Mas a maior parte das criaturas, especialmente as mais sensíveis e perspicazes, perceberam o "porquê" da decisão do inveterado pavão. E, quando o tempo começou a curar tudo, o Duque Durázio acabou por se tornar numa figura de deferência, mas, desta vez, pelas devidas razões.

Texto e Ilustração por Pedro Pinho e Suárez (Pavo cristatus, pavão-real).


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