8 de junho de 2015

Ricos Amigos

Ainda hoje estive a comentar com uma bióloga sexagenária o peso do termo "amigo".

Os membros próximos da família, os filhos, os pais, os avós, os tios, são, naturalmente, na maior parte dos casos, nossos amigos, na medida em que, das três uma, ou são combinações genéticas de nós com alguém, ou são parte do património genético que nós herdámos, ou partilham-no connosco em porções iguais mas com um arranjo diferente. A amizade na família é, por isso, uma imposição. Nem sempre é conservada como deveria, por vezes é alargada a primos afastados, mas a verdade é que, uma vez sendo a mudança a única constância, o "amigo" familiar é tão instável como uma cadeia de electrões numa migração frenética até uma proteína aceptora.

Numa qualquer altura das nossas vidas, o avô paterno pode ser o nosso ídolo, o nosso modelo padrão, o nosso melhor amigo, como a seguir já passa a ser a nossa avó materna, por exemplo. Esta despretensiosa transição é a melhor evidência de como a amizade familiar, na minha opinião, é peremptória: continuamos a ter a mesma relação que tínhamos com ambos mas, inconscientemente, seguimos mais assiduamente a maneira de estar na vida do outro, podendo até desencadear um convívio mais frequentemente. É uma escolha que fazemos livremente, afinal de contas pouco temos que fazer perante o "amigo familiar" para conservarmos a nossa amizade, nunca esquecendo, claro, o respeito mútuo.

No caso dos amigos que vamos escolhendo ao longo da nossa vida, aqueles que de nenhuma maneira genética se nos prendem a nós, a história já é outra.
Tenho sido testemunho de muita bajulação, muita hipocrisia e, talvez, de algum pretensiosismo. No que às redes sociais diz respeito, e digo isto porque assim o tenho visto, é já habitual deparar-me com vastos textos públicos de amigo para amigo que, numa tentativa de demonstrarem o apreço que têm um pelo outro, sujeitam-se, por ignorância, creio, a uma amostra pura de fragilidade e ilegitimidade entre ambos. Em suma, qual é a necessidade de expor algo tão figadal a meio mundo?

Fora a minha família, eu apenas tenho dois amigos, segundo a ideologia da bióloga sexagenária: eu e uma amiga, que aqui não interessa dizer-se quem, de facto, é, pois a própria certamente o saberá.
Costumo elucidar-lhe a importância da amizade dela na minha vida e faço-o pessoalmente, cara-a-cara, sem a necessidade de o promover em lado nenhum. No entanto, e como este blogue é um espaço estipulado como sendo um tanto ou quanto pessoal, deixo aqui a minha singela homenagem à minha Amiga, neste dia que, de uma maneira ou outra, é nosso.

Apenas para terminar a publicação de hoje, e apesar de considerar que não devo justificações a ninguém, gostaria, se mo permitem, de deixar alumiado que devemos estar rodeados de um tipo de amigos de outra estirpe, os que não são os "melhores amigos", pois apesar de não privarmos com eles assuntos absolutamente íntimos, pois eles também não estariam dispostos a ouvi-los, são elementos importantes, quer seja para um café ou uma conversa sobre o tempo. São tão importantes para nós, como nós para eles, naquela que é a luta incessante contra a solidão e a consequente depressão.

Permitam-me a ousadia de afirmar que não existem "melhores amigos" disto e daquilo. Há, senão, amigos, ou talvez conhecidos, com os quais nos divertimos e, por isso, achando eu por bem, deixo aqui o meu sentido agradecimento a todos os que, ao longo dos anos, me proporcionaram momentos de gáudio, pois na minha triagem mental é isso que ficou deles.

8 comentários:

  1. Muito bem pensado! Gostei! Gostei muito!
    Obrigada AMIGO por ser como é! Pelas partilhas, pela sinceridade, objetividade... tantas coisas...
    Uma boa semana! Beijinhos

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    1. Querida Hermínia,
      Sempre um amor, sempre a delicadeza em pessoa.
      Uma boa semana para si também. Um forte abraço!

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  2. Gostei do texto, a descrição da "amizade" familiar está fantástica! Quanto aos restantes grupos, pois na vida dividimos tudo por categorias, ao longo do nosso crescimento físico e mental vão variando as necessidades e consequentemente os amigos. Conforme os anos vão passando o nº de amigos vai diminuindo, não pela falta de afecto mas por não serem as "nossas pessoas" ( Amigos) e o nº de conhecidos vai aumentando. Cada qual com o seu respectivo valor, pois na vida todos somos necessários e importantes para o desenvolvimento social: Que seria do Justo sem o Injusto, do Leal sem o Hipócrita??? Na vida o que realmente tem valor para mim, e isto vale o que vale, é o Amor e ser leal aos nossos princípios. Fazer e dar sempre o nosso melhor a quem precisa de nós, seja amigo, conhecido, familiar ou até mesmo a um estranho... Parabéns, o Café do Saco é fantástico. Beijinhos

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  3. Deixo aqui um complemento ao meu comentário.


    “As pessoas não se precisam, elas se completam... não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida.”

    “No fim você vai ver que as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar”

    Mario Quintana

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    1. Quando diz que devemos "dar sempre o nosso melhor a quem precisa de nós, seja amigo, conhecido, familiar ou até mesmo a um estranho", devo admitir que penso exactamente o mesmo.
      Muito obrigado pelas suas palavras, cara(o) "Anónimo". Visite-nos sempre que possa.

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    2. Obrigada, assim o faço sempre que posso.
      Beijinho

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  4. Ai, por onde começar?
    Quanto aos "amigos familiares" não tenho nada a dizer. Agora, quanto aos amigos e conhecidos, ui, que dava pano para mangas!

    Eu costumo pensar que tenho cada vez menos e amigos e cada vez mais conhecidos, talvez porque começo a ser cada vez mais picuinhas e "filtro" as pessoas: tal como tu dizes, de nada vale contar pormenores da minha vida a pessoas que não têm interesse em ouvi-los, ou melhor, até os ouvem em nome da velha coscuvilhice, apenas!

    Para mim, os amigos são a família que nós podemos escolher (precisamente por não partilharmos - na larga maioria das vezes - qualquer tipo de ADN). Ora, se eu tenho uma família que posso escolher, escusado será dizer que escolho apenas rodear-me de pessoas que me fazem bem e querem o meu bem, pessoas que se riem comigo, choram comigo e que, mesmo quando a distância nos separa, se lembram de mim.

    Esses sim, são os ricos amigos!

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    1. Muito bem dito, como sempre.
      Esses últimos amigos de que falas, são como uma agulha num palheiro!
      Volta sempre que possas.

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O autor deste blogue agradece a todos pela sua interacção nesta "casa".